domingo, 10 de fevereiro de 2008

texto reflexivo

INTERESSES DE CLASSE NA UNIVERSIDADE E NA SOCIEDADE

Inicialmente fundada pela Igreja para formar os membros do alto clero, a Universidade acabaria, com o tempo, tendo como sua principal função formar a elite de uma sociedade. Entretanto, nos dias atuais, esta instituição tem sido colocada diante de um dilema que está gerando uma verdadeira disputa entre aqueles que compõe a sua comunidade. Docentes, discentes e funcionários dividem-se quanto aos caminhos a serem trilhados pela universidade. É verdade que essa divisão não obedece a um recorte baseado na divisão dos grupos específicos existentes no local, mas tem um caráter classista e ideológico, claramente baseado na maneira como cada grupo de pessoas entende que deve ser a sociedade como um todo e a universidade no seu particular.

No caso específico da UFF, parte do movimento estudantil tradicional, estreitamente ligados a partidos políticos, seja por já estar ligado a um projeto de poder estabelecido ( PT/PCdoB ), seja por estar vinculado a um projeto de poder em construção ( P-Sol e PSTU), tem evitado dar um aspecto classista à problematização das questões que envolvem a nossa universidade como um todo e a UFF em particular. Os estudantes são apresentados por esses agrupamentos políticos como uma massa quase que homogênea, com eventuais dissidências por parte de alguns estudantes mais ligados ao projeto dominante de sociedade em que vivemos. Segundo essas mesmas correntes políticas tradicionais (CETs), os estudantes da UFF, na sua esmagadora maioria, pelo menos na teoria, estariam afinados com a idéia de uma universidade aberta a todos. No entanto, cremos ser possível dizer que as (CETs) estão estupidamente enganadas.

Não são poucos os militantes do movimento estudantil que mantêm a crença de que a imensa passividade existente por parte dos estudantes da UFF deve-se a uma grave desilusão das pessoas com a possibilidade de transformação política, não só da universidade, como da própria sociedade em geral. Insistimos em dizer, no entanto, que essa passividade também pode o reflexo de um consentimento tácito, por parte de uma parcela muito grande dos estudantes, com o modelo de universidade que nós temos e com a sociedade que aí está.

Naturalmente que esse consentimento não se dá de maneira igual entre os estudantes. Muitas vezes sequer é um consentimento consciente, fruto de uma reflexão crítica, de uma posição tomada. Entre estudantes oriundos da classe média ainda não proletarizada ou mesmo das camadas ainda mais favorecidas da nossa sociedade é até “compreensível” que não aja um interesse em promover mudanças na estrutura da mesma. Eu diria até que muitos nem mesmo desenvolvem uma consciência crítica capaz de pensar sobre essa necessidade, pois que são naturalmente beneficiados por esse modelo que aí está. Nada disso, no entanto, impede que estudantes desses segmentos concluam, após uma reflexão crítica, que esse mesmo modelo de sociedade, baseado no privilégio e no favorecimento de uma minoria sobre uma vasta maioria é, não só injusto, como a longo prazo inviável.

Já entre os estudantes mais pobres esse consentimento se dá através da clara opção por um projeto individual. Difícil aceitar a justificativa de que essa opção se dá apenas pelas dificuldades materiais desses estudantes; os desgastes causados pela constante necessidade de trabalhar e estudar ao mesmo tempo ou nas imensas dificuldades enfrentadas para se manterem na universidade. Tais situações podem servir como atenuantes, mas não como justificativa para, não só aceitar esse modelo de sociedade, como até mesmo legitimá-lo, através de palavras e atos .

Essas reflexões são necessárias na hora de iniciar qualquer discussão com estudantes mais pobres que procuram negar suas origens através de um projeto meramente individualista, onde a universidade é um simples trampolim para a sua ascensão social. É preciso ter em mente que a ascensão deste estudante não se reflete necessariamente num processo de contestação do modelo dominante de sociedade que nós temos. Em verdade, dependendo da atitude do estudante, a sua ascensão pode servir até mesmo com um fato legitimador deste mesmo modelo. Diante dessas reflexões, fica impossível aceitar a tese defendida pelo coletivo “Nós não vamos pagar nada”, reafirmada por um de seus integrantes durante um conselho de DAs, de que todos os estudantes têm na reitoria um inimigo comum. Esta tese é, na melhor das hipóteses, risível.

Isso fica evidente quando constatamos que um grande número de estudantes da UFF pouco se importaria se a universidade acabasse amanhã com todas as medidas de assistência estudantil existentes. Arrisco mesmo a dizer que se a Bolsa-treinamento fosse extinta muitos nem sequer saberiam. Muitos não ligariam muito para o fim das bolsas de extensão; todas essas bolsas de segunda categoria e que não contam muito dentro da estrutura acadêmica da universidade. Talvez houvesse algum choro por causa do bandejão, embora quase todo mundo diga que a comida é péssima; livros podem ser comprados, por isso a biblioteca pode ficar um forno e com um estoque defasado em termos de conteúdo; laboratórios de informática para quê se os mais abonados possuem o seu computador caseiro?

Dizendo essas coisas pode parecer que estou negando a possibilidade existirem certos objetivos que podem ser comuns aos estudantes, independente da sua origem de classe, não é o caso. No entanto, é preciso fazer uma diferenciação em relação à natureza desses objetivos. Estrutura deficiente, horários inadequados dos cursos, falta de disciplinas, de professores e a reclamação sobre a falta de compromisso de muitos deles com a graduação; todos estes problemas afetam aos estudantes como um todo, mas são problemas pontuais da universidade. É na hora de colocar em questão os problemas estruturais, aqueles que vão afetar de maneira mais concreta a vida dos estudantes mais pobres, que começam a se verificar os diferentes posicionamentos dos estudantes, é nessa hora que surgem as distinções de classes entre eles e os seus respectivos interesses.

O que quero deixar bem claro é que os estudantes mais pobres dessa universidade precisam participar mais da vida política da UFF. É certo que muitas razões dificultam essa participação, como o fato de ter que trabalhar e estudar ao mesmo tempo, por exemplo. No entanto, não é a melhor solução não ir a nenhuma assembléia por achar que “não tem tempo a perder com falatório”. Tal atitude reflete uma situação que vai muito além das dificuldades materiais.

De fato, entre os estudantes mais pobres da universidade é quase consensual a certeza de não se acharem representados pelo seu DCE, e tem toda a razão de pensar assim. Entretanto esses mesmos estudantes cometem um grave erro ao não disputar um espaço político dentro do movimento estudantil. Estes precisam entender que só vão conseguir que seus interesses, refletidos tanto nas questões pontuais da universidade, mas principalmente nas questões estruturais, sejam efetivamente levados em consideração quando decidirem participar da vida política da UFF. Entretanto, quanto falo em participar da vida política da Universidade, não estou me referindo a uma simples questão de disputas eleitorais, mas principalmente o que a política realmente representa, uma uma participação efetiva das pessoas no dia-a-dia.

A universidade é um reflexo da sociedade onde vivemos. Por conta disso, os conflitos de interesses refletem a ação dos grupos nela envolvidos. Em nossa sociedade, os mais pobres sentem-se incapazes de defender os seus próprios interesses e acabam delegando a membros de outros grupos o poder de representá-los. Essa aparente incapacidade tanto pode ser resultado das dificuldades materiais que impediriam o pleno desenvolvimento intelectual dos mais pobres como dos próprios interesses existentes em mantê-los nesta situação. Independente disso, até mesmo dentro desse modelo de democracia burguesa representativa, essa representação acaba sendo feita de forma equivocada. Representantes são indicados e são deixados a vontade, sem qualquer cobrança e acabam caindo ainda mais facilmente no jogo de interesses de outros grupos mais ativos. O que se depreende deste fato é que as camadas mais pobres de nossa sociedade ainda não se conscientizaram de que somente através de uma atuação direta é que será possível a defesa de seus interesses.

Dentro da universidade estamos assistindo um fenômeno bem parecido com os estudantes mais pobres. Uma boa quantidade deles têm entrado no ensino superior, e se mantido, apesar das dificuldades. Um bom número já até se formou. Entretanto, a capacidade de influência desses estudantes nos rumos do movimento estudantil e da própria universidade têm se mostrado muito aquém do que deveria ser. O resultado disso é que os rumos desse movimento estudantil, bem como da universidade, acabam refletindo essa deficiência.

O presente momento por que vem passando a Universidade impõem aos estudantes mais pobres um grande desafio. É o que está posto para todos aqueles que precisam cada vez mais de programas de assistência estudantil, pois é cada vez maior o número de estudantes que enfrentam toda a sorte de dificuldades para se manter na universidade. Atualmente a universidade possui um grande número de estudantes que precisa escolher o dia que vão vir estudar porque não podem arcar como os custos absurdamente altos das passagens, que tem sua vida financeira ou da sua família estrangulada para pagar mensalidades de pensões. Diante desses fatos, os estudantes mais pobres precisam ter em mente que tanto a universidade quanto o seu movimento estudantil original não foi pensado para as suas necessidades.

Como já foi dito num parágrafo anterior, a universidade reflete a sociedade em que vivemos. O seu movimento estudantil pode até se dizer representante dos estudantes mais pobres, na verdade faz questão disso. No entanto, se estes não se fizerem presentes, não se dispuserem a tomar nas próprias mãos a defesa de seus interesses, o movimento estudantil vai cair na mesma malha de interesses conflitantes que existe na sociedade em geral.

Portanto, cabe aos estudantes mais pobres tomarem nas próprias mãos a defesa de seus interesses, enquanto isso não acontecer, o DCE continuará a não ter uma coordenação de assistência estudantil. Terá como preocupação principal conseguir verbas para viagens de estudantes, em sua quase totalidade pequenos-burgueses, do que para a assistência estudantil. Enfim será um movimento estudantil pequeno-burguês, feito por estudantes pequeno-burgueses, para defender interesses fundamentalmente pequeno-burgueses.

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