terça-feira, 30 de setembro de 2008

Texto antigo

Esse é um texto escrito no final do ano passado por Rafael Viana, um militante da FARJ ( Federação Anarquista do Rio de Janeiro ). O texto foi escrito por conta da indignação do Rafael pela maneira como a Rede Globo tratou a questão das ocupações de reitorias e o Movimento dos Sem-Teto na novela Duas Caras, em exibição na época. Estou reproduzindo esse texto aqui com muito atraso, mas a ocasião não deixa de ser oportuna por conta de todos os acontecimentos que vem ocorrendo aqui na UFF, na UERJ e na UNIFESP, bem como em outras universidades pelo país.

O MOVIMENTO ESTUDANTIL E O
MOVIMENTO SEM-TETO
SEGUNDO A REDE GLOBO, AMÉM!
Por Rafael Viana

Ninguém em sã consciência ou com o mínimo espírito crítico guarda alguma dúvida acerca da manipulação grosseira realizada pela Rede Globo utilizando seus meios de comunicação. Muito menos de sua relação excusa com as elites privadas e os grandes interesses do capital financeiro. Ninguém tem mais dúvida sobre seu papel infame na ditadura militar, seu ataque sistemático aos movimento sociais, sua função ideologizadora e mantenedora da ordem burguesa na sociedade brasileira, que legitima a exploração, a miséria, a desigualdade social oriunda da sociedade de classes; contudo no dia 07 de novembro a Rede Globo deu um passo a mais em todo este processo infame, mostrando-se sempre atenta com os acontecimentos sociais e desejosa por fazer valer sua versão dos fatos, a Rede Globo resolve atacar o movimento sem-teto e o movimento estudantil por meio de seus infelizes meios de distribuição de mentiras: as novelas.
Quem teve o azar de acompanhar os dois últimos capítulos da novela das oito(no meu caso um eventual esbarrão que me aguçou a tentar entender melhor a finalidade ideológica daquela mixórdia fictícia) intitulada "Duas Caras", pôde ver a opinião ideológica da Rede Globo aflorar de maneira mais nítida. Além de ter como cerne principal uma comunidade, cuja origem era uma ocupação, onde seu líder é interpretado por Antônio Fagundes, um caudilho autoritário, uma espécie de miliciano que impõe a lei e a ordem na favela a partir de uma associação de moradores submetida aos seus desmandos autoritários. A novela ainda tem a cara de pau de confeccionar um retrato dessas comunidades a partir de sua ótica pervertida, burguesa, elitizada, fomentadora de estereótipos baratos.
Podemos ver claramente a dicotomia artificializada pela vênus platinada, enquanto os trabalhadores da comunidade fictícia apenas estão envolvidos com pequenas e irrelevantes discussões de senso comum
e não muito ocupados com ofícios laboriosos, os ricos e poderosos estão envolvidos com negócios, dedicando-se exclusivamente ao árduo trabalho diário de gerirem empresas e administrarem negócios. É o mito do rico "trabalhador" e do pobre que é pobre pois não se esforçou suficientemente para sair desta condição.
Mais a cena mais polêmica, é a que estudantes de uma universidade particular, cuja reitora e dona é interpretada pela atriz Suzana Vieira, resolvem realizar um protesto em frente a universidade. Diante do protesto, a personagem "Branca" interpretada por Suzana Vieira pergunta a um dos estudantes quem é o líder do protesto, da baderna. Este relata que é o coletivo, a qual a personagem irônicamente responde que na verdade "Alguma liderança por trás que decide tudo por esse coletivo, sei muito bem como é...". É claro, jamais a globo entenderá nenhum mecanismo de decisões coletivas, afinal a globo e seus asseclas só conseguem pensar hierárquicamente.
Interessante comentar o personagem do chamado "líder estudantil", um ator negro, que se caracteriza por usar roupas despojadas, camisa vermelha e ao contrário da placidez racional da personagem interpretada por Suzana Vieira, a "Branca"(branca, anglo-saxã, rica) transparece impulsividade e emoções a flor da pele. É inconsequente e agressivo. Requer lembrar também que a personagem "Branca" é uma das personagens centrais da trama. Os núcleos ricos nas novelas globais sempre existiram, a idéia é fazer com que nos identifiquemos com o discurso burguês desses personagens, mocinhos e vilões.
Uma das partes mais interessantes é quando os estudantes resolvem ocupar a universidade. Estes invadem a universidade, quebram vidros, rasgam livros(???), causando a maior destruição possível. É claro que a Rede Globo, apesar de não ter noticiado uma única notícia relevante sobre as ocupações das reitorias pelos estudantes contra o maldito projeto do Governo, o temível REUNI que privatiza as universidades públicas em detrimento da iniciativa privada, resolve agora se posicionar em relação às ocupações das reitorias. Posicionar-se não, pois quem o faz, faz publicamente e com transparência. No caso da Rede Globo, o objetivo é criar uma falsa representação da realidade, dizendo que as ocupações das reitorias na verdade são atos de vandalismo, de baderna, que os estudantes são bárbaros sem objetivos que destróem o patrimônio das universidades.
Imagine um trabalhador ou trabalhadora que resolva assistir este capítulo, depara-se além de estudantes saídos de algum filme de ficção científica de mau gosto, com a imagem deturpada da Globo sobre os movimentos de ocupação Urbana e os movimentos social em geral. Enquanto isto, a dona da faculdade, pede à um de seus advogados que chame a polícia, este responde que esta é uma atitude que poderá ser vista como antidemocrática, de resquícios da época da ditadura a qual a personagem responde: "Esses movimentos se aproveitam das liberdades da democracia para serem anti-democráticos."
Olhando assim há até quem acredite que a Globo é o último bastião de defesa da democracia. Entidade que cresceu sob as asas da ditadura, manipulava e censurava notícias antes mesmo da atuação dos órgãos de censura da época, cumprindo muito bem seu papel de classe, exemplarmente, a ponto de no Editorial do Jornal "O Globo" de 7 de outubro de 1984, Roberto Marinho elogiar o golpe militar de 64 e se posicionar contra a campanha pelas eleições diretas para a Presidência da República
Quanto a presença do fictício MSC ( Movimento dos Sem-Casa ), na ocupação da reitoria a personagem de Suzana Vieira solta a seguinte pérola: "Eles deveriam estar trabalhando" diz Branca. É a opinião da Rede Globo sobre o movimento social. O trabalhador bom para a Rede Globo, é o que trabalha de segunda a sexta, e jamais reivindica seus direitos, quando o faz, deve fazer sempre dentro das estruturas do Estado Burguês. Quanto ao fictício MSC, que nada mais é do que a representação esdrúxula do movimento sem-teto e de ocupações urbanas na novela, a personagem emite a seguinte opinião: "Eles não são estudantes, não pagam nossa universidade, não fizeram vestibular, o que estão fazendo aqui?".
A solidariedade entre os diferentes participantes do movimento social não deve existir segundo a Rede Globo, cuja visão individualista burguesa do "cada um correndo atrás do seu" prevalece como agente
principal em seu discurso. Trabalhadores e estudantes não podem estar juntos numa mesma luta, jamais!
Há inúmera pérolas a serem mencionadas, das quais podemos traduzir ideológicamente de maneira clara:
"Vamos deixar o MSC na frente que eles tem mais experiência, diz o personagem do militante estudantil referindo=se a resistência frente a polícia". Tradução: Militantes sem-teto tem experiência em enfrentamentos com a polícia e são violentos. "Não são eles mesmo que dizem que os fins justificam os meios?", diz Branca, então que a polícia faça alguma coisa!" Tradução: Reprimir estudantes e trabalhadores de forma violenta se justifica pelo objetivo final que é o de conseguir a paz diante da invasão de propriedade privada.
Depois de diversas pérolas, há ainda, além da tentativa de deturpar o presente, fazer o mesmo com o passado. Uma coadjuvante, em meio ao enfrentamento dos estudantes, solta a seguinte pérola final: "Até
parece 1968”, diz outra personagem, referindo-se ao movimento anti-autoritário e revolucionário dos estudantes e trabalhadores franceses no Maio de 1968 na França, que questionou duramente a democracia burguesa, o capitalismo e outros valores e instituições conservadoras à época.
Poderia-se dizer muito mais acerca dessa obra de ficção, que deseja não apenas entreter, mas exercitar o domínio ideológico, estabelecer e dar a última visão acerca da realidade. Cunhar valores, embutir
regras, naturalizar o que não pode ser naturalizado: desigualdades sociais, relações de classes, luxo, miséria, conformismo, etc. Reparem nos personagens da Globo, a riqueza é sempre vista como um incômodo, se não me engano é da mesma novela a afirmação de uma personagem vivida por Marília Gabriela, de que a riqueza pode trazer a desgraça. O pobre perfeito da Rede Globo é o pobre da novela, o que trabalha e vive feliz, está sempre bem humorado, enquanto a riqueza dos chamados núcleos de ricos das novelas da globo estão sempre envolvidos em tramóias, chantagens, conspirações, onde tudo acaba em assassinato ou loucura. O empregado dos ricos e milionários das novelas globais, é sempre feliz, submisso ao patrão e fiel à ideologia burguesa. A novela de opostos que a Rede Globo permite mostrar, nada mais é do que a visão elitista e burguesa de seu autor, alinhado com o discurso oficial da platinada, sobre assuntos como movimento estudantil, ocupações urbanas, comunidades, questões de gênero. Nenhum discurso é neutro, todo discurso está situado históricamente e ideológicamente. A Rede Globo nada mais faz do que propagar e reforçar estereótipos baratos, cunhar mentiras, propagar inverdades! Mas NÓS sabemos! NÓS, estudantes, trabalhadores, trabalhadoras, sem-teto, unidos no horizonte da mesma luta, que o MOVIMENTO SOCIAL não é ESTE movimento social que a Rede Globo quer representar!!! NÓS sabemos que um dia este mar de mentiras que inunda o coração de nossos irmãos, este veneno escorrido pela mais escroque representante do capital assassino irá sucumbir diante da JUSTIÇA da classe trabalhadora!!! E neste dia não haverão nem novelas, nem atores medíocres para proteger a Rede Globo!!! Parafraseando o anarquista peruano Manuel González Prada nós não somos a inundação da barbárie como quer descrever a Rede Globo, nós somos o dilúvio da justiça!!! E SEREMOS!!!!

Rafael não assiste novelas, mas ocasionalmente esbarra com representações ideológicas que não podem ser esquecidas e merecem ficarem registradas.

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